Em 2009 eu passei por um assalto um tanto quanto ridículo, mas que tomou proporções bem catastróficas dentro de mim.
Estava dentro de um ônibus com apenas mais duas pessoas, distraída com meu saudoso MP4 quando, e, de repente, um casal entrou e assaltou a mulher da minha frente.
Demorei a perceber o que acontecia. Eu olhei pra cara da mulher, que estava grávida, e sobrou pra mim também, que tinha nada mais que o MP4, o celular e um RioCard.
Não entendi muita coisa, mas, quando vi a arma, entreguei tudo, mesmo sem ela ter pedido direito.
Foi ridículo, tanto que eu penso que, se não tivesse olhado pra mulher, provavelmente nada me seria levado.
O fato é que aconteceu e muito mais que coisas materiais ficaram pelo caminho.
Eu parei de andar de bus de madrugada; após às 19h só saía acompanhada; tinha medo de qualquer velhinho ou pessoa que se aproximasse de mim e desenvolvi ataques de pânico que não desejo a ninguém.
Enfim, depois da grávida, perdi a referência total. Qualquer perfil me era ameaçador.
Além do trauma, eu que sempre tive um olhar humano e compreensivo em relação ao histórico das pessoas, passei a desejar a morte de qualquer pessoa / criança / grávida envolvida com crime, roubo, furto etc.
Minha premissa era "todos nascem sabendo o que é certo e o que é errado, escolher o caminho torto é uma questão de escolha".
Até certo ponto é verdade. É cada que faz sua escolha. . Ao mesmo tempo que muitos filhos da favela e da pobreza escolhem o caminho do mal, paralelamente tem muita gente aí que nasce em berço de ouro e se envolve com o crime. É uma questão de escolha, de índole, de sobrevivência...
Procurei ajuda e hoje consigo fazer muitas coisas de antes e não apaguei minha vida social. Mas, quando me vi imersa num problema psicológico que eu não desejo a pior pessoa da Terra, refletia tanto no meu próprio problema que pensava também em como os outros se sentiam e como desconhecemos tantas realidades.
A partir daí comecei a mudar minha visão em relação às histórias em geral e tento ser mais flexível e compreensiva na busca pelo entendimento de cada acontecimento na vida alheia.
Depois da experiência que tive ontem então, minha visão mudou completamente.
Como repórter do programa Câmera Especial, escolhi uma pauta sobre a restauração da infância de crianças envolvidas com drogas.
O projeto, liderado por Rogério Rodrigues, visa resgatar mesmo e dar um novo olhar a essas crianças que perderam os melhores anos de suas vidas nas drogas trabalhando com brincadeiras populares.
É mais uma pesquisa empírica que científica, que acadêmica. O Rogério é ator, palhaço e determinou como missão pra sua vida esse trabalho de estimular a mente das crianças.
Pode ser bola, pipa, corrida de chapinha, amarelinha etc. São atividades comuns, mas trabalhadas de forma lúdica e com a preocupação de estimular a estratégia, o trabalho em equipe e controle de ansiedade das crianças.
Um dos pontos do trabalho que me chamou atenção foi que, como estas crianças perderam ou nunca tiveram qualquer referência de mãe, de pai, de uma figura de herói, o Rogério busca através de figuras dos quadrinhos (Batman, Superman, Power Rangers) estimular o herói que existe dentro de cada um deles.
Quando cheguei ao local, que fica em Guaratiba, fiquei espantada com o tamanho dos meninos.
São cerca de 15 crianças e todos têm menos de 18 anos! O mais jovem que conversei tinha 13!
A questão da drogadição é praticamente banal nos dias de hoje.
Meus vizinhos que eu peguei no colo fumam maconha em seus bailes funk e as garotinhas que sobem em suas motos acham isso cool.
No meio do rock isso é pra lá de comum e quase todas as pessoas que conheço fumam.
Nem quero entrar na questão de se maconha induz a outras drogas nem nada. Mas a questão é que essa galera "descolada" escolhe começar a fumar ou cheirar ou seja lá o que for por conta própria just to get high, e em uma idade em que ela faz isso com um certo grau de consciência. Alterar o estado de consciência através das drogas é um assunto e uma “necessidade” milenar do ser humano, e não sei se estamos preparados pra vencer esse obstáculo.
No caso desses meninos internados no lar 'Ser Criança', drogas pesadas faziam parte do cotidiano de muitos até cerca de um mês atrás.
E os históricos são os mais bizarros possíveis.
Enquanto a maioria de nós se junta à mesa com a família para a refeição do dia, muitos deles tinham seu "momento em família" usando drogas com a mãe, o pai e avó ao mesmo tempo!
E a "refeição em família” tinha no cardápio muito mais que maconha.
Com menos de 10 anos de idade todos os 15 meninos já experimentaram as dores do crack, loló, cola, heroína, cocaína e drogas que nem eu mesma conheço pelo nome. Como um deles me disse "Tudo, tia, tudo que a senhora possa imaginar eu já usei".
Paralelo a isso surgem muito mais histórias que são ladeira abaixo total. Pra sobreviver nas ruas aqueles corpos mirrados roubaram, apanharam, se prostituíram, e foram abusados sexualmente.
É uma realidade inimaginável e que parece que está lá longe, na cracolândia do Jacaré, no morro do outro lado da cidade, na Baixada... Mas não, está mais próximo do que a gente imagina, e aquele pivete que a gente morre de medo também é um dos que carregam essas histórias.
E esse peso vai criando uma casca grossa neles, que precisa ser lapidada diariamente com muito amor, carinho, atenção e o trabalho das brincadeiras populares, que certamente afastaram muitos da nossa geração de problemas como estes.
Depois desse dia que passei com eles, eu só pude fazer uma constatação. Há três pilares que poderiam ser a grande solução pra afastar outras crianças destes problemas: educação, família e muito amor.
Pode ser uma constatação clichê, mas se vocês tivessem sentido a carência deles, que me abraçavam, faziam sinal de s2 (até achei engraçado) e diziam que me amavam, vocês entenderiam.
Um deles falou assim sobre uma das educadoras da casa: "Tia, ela é como se fosse minha mãe. Ela me ama mais que minha mãe".
(...)
Depois de uma resistência até pequena da parte deles, os meninos foram se soltando e, quando viram microfone e câmera, quiseram todos eles falar um pouquinho pra câmera.
Todos, TODOS, sem exceção, perguntaram excitados se ia passar na televisão, porque assim suas mães poderiam vê-los e ir visitá-los.
Todos eles deixaram seus recados pra mães completamente sem rosto pra nós. Mães que às vezes estão lutando por seus filhos, ou outras que nem sabem e nem querem saber onde eles estão.
O T., que está há cerca de 1 mês na casa, começou a implorar pra câmera pra que a mãe fosse visitá-lo. Depois do depoimento ele começou a chorar, eu o puxei pra um abraço, dizendo que ia orar por ele, que ele era um vencedor de estar ali. Ele olhou pra mim e, lembrando do trabalho com os heróis que o Rogério faz, me disse: "Tia, eu sou um herói, não sou?". É claro que ele é! E ele me fez mais forte.
Cheia de lágrimas nos olhos, consegui não desabar na frente das crianças e também fui um pouco heroína.
Quando eles estavam mais calmos, conversei com o C., que acabou de fazer 14 anos.
Depois de ter chorado contando sua história, da saudade da mãe, de cuidar dos irmãos, perguntei o que ele mais gostava de comer. Além de dizer que gostava de praticamente tudo, ele falou que amava biscoito. "Quando eu tinha 8 anos, sempre comia trakinas que minha mãe comprava pra mim". Daí eu disse: - Então vamos fazer o seguinte, já que foi teu aniversário, vou trazer uma caixa de Trakinas pra vocês, tá bem? Os olhos dele brilharam e disse: - Sério, tia?! Quando?!
Eu vou lá em breve novamente e vou fazer questão de tentar levar um pouco do que eu tive em excesso pra esses garotos.
Quando eu falei de pânico lá em cima, da depressão que fez parte de muitos dias meus, pensei com toda determinação que eu não tenho o direito de sentir essas coisas. Sei que questões psicológicas vão muito além disso, mas eu olho pra trás e não tenho motivos pra sofrer. Tenho a melhor família do mundo, meus pais casados, minhas duas avós vivas, uma cama pra dormir, comida, e muito mais que todas essas crianças nunca sonharam.
Pra se ter uma idéia eles às vezes ainda querem revirar lixo, porque as sobras os alimentaram em muitos dias nas ruas. O M. mesmo disse que com crack ele não sentia fome, não sentia dor. "Se viesse algum almoço, é o que Deus mandou", ele me disse.
Vocês têm noção? Por isso tudo eu não posso admitir passar por essas coisas. Não posso admitir pânico com essa vida cheia de frescura que eu tenho. Essas crianças já sofreram muito mais do que eu com muito menos anos de vida, e elas precisam de mim e de muita ajuda.
Chegam a ser irônico os "graves problemas" que a classe média tem diante dessa merda diária que essas crianças vivem.
É preciso tentar entender e colocar na cabeça das pessoas que o vício em drogas é uma DOENÇA e GRAVE e que pode atingir qualquer um.
Eu vivi isso em casa. Meu primo roubava jóias da minha mãe, ficava meses sumido, aparecia todo arrebentado, foi preso... Enfim, viveu o inferno. E levou pro inferno minha mãe, minha avó e até eu e meu irmão que pegamos um pouco dessa fase.
Recentemente eu ouvi uma babaquice de uma colega jornalista (e evangélica) sobre a morte da Amy. Era algo como "Ah, bem feito. Ela fez por merecer, ela procurou. Pra mim não vai fazer falta nenhuma".
É impressionante como o outro vem cada vez mais significando NADA para os outros.
Meu primo disse um negócio muito certo. Se Darwin estivesse vivo ele criaria a teoria da desevolução. Em todos os sentidos. Desde a droga que faz com que o humano regrida, e desevolua de homem para bicho, até pessoas que acham que qualquer "crakudo" não vai fazer falta.
Depois do que eu vi ontem, do que eu senti, tenho toda certeza de que eles vão fazer falta pra alguém; vão fazer falta pra mim.
O T. e o C., de 16 e 14, que choraram nos meus braços pedindo pra aparecer na TV e suplicaram pela visita da mãe já estão fazendo falta pra mim.
Eles são importantes sim.
Mais um clichê, mas é verdade. Como diriam os Beatles, all we need is love. E isso é tudo mesmo que esses meninos precisam. Eles só querem amor e a alegria de poder comer um pacote de Trakinas.
Depois de ver que, mesmo a duras penas, há chances de recuperar qualquer pessoa, como posso desejar a morte de qualquer ser humano que seja? Eu não tenho esse direito.
A capa grossa da vida tenta engoli-los todos os dias, mas tudo que eles querem é ser crianças.
Eu ainda não sei muito o que fazer, mas eu quero estar do lado dessas crianças.
E vou começar pela caixa de Trakinas.
Estava dentro de um ônibus com apenas mais duas pessoas, distraída com meu saudoso MP4 quando, e, de repente, um casal entrou e assaltou a mulher da minha frente.
Demorei a perceber o que acontecia. Eu olhei pra cara da mulher, que estava grávida, e sobrou pra mim também, que tinha nada mais que o MP4, o celular e um RioCard.
Não entendi muita coisa, mas, quando vi a arma, entreguei tudo, mesmo sem ela ter pedido direito.
Foi ridículo, tanto que eu penso que, se não tivesse olhado pra mulher, provavelmente nada me seria levado.
O fato é que aconteceu e muito mais que coisas materiais ficaram pelo caminho.
Eu parei de andar de bus de madrugada; após às 19h só saía acompanhada; tinha medo de qualquer velhinho ou pessoa que se aproximasse de mim e desenvolvi ataques de pânico que não desejo a ninguém.
Enfim, depois da grávida, perdi a referência total. Qualquer perfil me era ameaçador.
Além do trauma, eu que sempre tive um olhar humano e compreensivo em relação ao histórico das pessoas, passei a desejar a morte de qualquer pessoa / criança / grávida envolvida com crime, roubo, furto etc.
Minha premissa era "todos nascem sabendo o que é certo e o que é errado, escolher o caminho torto é uma questão de escolha".
Até certo ponto é verdade. É cada que faz sua escolha. . Ao mesmo tempo que muitos filhos da favela e da pobreza escolhem o caminho do mal, paralelamente tem muita gente aí que nasce em berço de ouro e se envolve com o crime. É uma questão de escolha, de índole, de sobrevivência...
Procurei ajuda e hoje consigo fazer muitas coisas de antes e não apaguei minha vida social. Mas, quando me vi imersa num problema psicológico que eu não desejo a pior pessoa da Terra, refletia tanto no meu próprio problema que pensava também em como os outros se sentiam e como desconhecemos tantas realidades.
A partir daí comecei a mudar minha visão em relação às histórias em geral e tento ser mais flexível e compreensiva na busca pelo entendimento de cada acontecimento na vida alheia.
Depois da experiência que tive ontem então, minha visão mudou completamente.
Como repórter do programa Câmera Especial, escolhi uma pauta sobre a restauração da infância de crianças envolvidas com drogas.
O projeto, liderado por Rogério Rodrigues, visa resgatar mesmo e dar um novo olhar a essas crianças que perderam os melhores anos de suas vidas nas drogas trabalhando com brincadeiras populares.
É mais uma pesquisa empírica que científica, que acadêmica. O Rogério é ator, palhaço e determinou como missão pra sua vida esse trabalho de estimular a mente das crianças.
Pode ser bola, pipa, corrida de chapinha, amarelinha etc. São atividades comuns, mas trabalhadas de forma lúdica e com a preocupação de estimular a estratégia, o trabalho em equipe e controle de ansiedade das crianças.
Um dos pontos do trabalho que me chamou atenção foi que, como estas crianças perderam ou nunca tiveram qualquer referência de mãe, de pai, de uma figura de herói, o Rogério busca através de figuras dos quadrinhos (Batman, Superman, Power Rangers) estimular o herói que existe dentro de cada um deles.
Quando cheguei ao local, que fica em Guaratiba, fiquei espantada com o tamanho dos meninos.
São cerca de 15 crianças e todos têm menos de 18 anos! O mais jovem que conversei tinha 13!
A questão da drogadição é praticamente banal nos dias de hoje.
Meus vizinhos que eu peguei no colo fumam maconha em seus bailes funk e as garotinhas que sobem em suas motos acham isso cool.
No meio do rock isso é pra lá de comum e quase todas as pessoas que conheço fumam.
Nem quero entrar na questão de se maconha induz a outras drogas nem nada. Mas a questão é que essa galera "descolada" escolhe começar a fumar ou cheirar ou seja lá o que for por conta própria just to get high, e em uma idade em que ela faz isso com um certo grau de consciência. Alterar o estado de consciência através das drogas é um assunto e uma “necessidade” milenar do ser humano, e não sei se estamos preparados pra vencer esse obstáculo.
No caso desses meninos internados no lar 'Ser Criança', drogas pesadas faziam parte do cotidiano de muitos até cerca de um mês atrás.
E os históricos são os mais bizarros possíveis.
Enquanto a maioria de nós se junta à mesa com a família para a refeição do dia, muitos deles tinham seu "momento em família" usando drogas com a mãe, o pai e avó ao mesmo tempo!
E a "refeição em família” tinha no cardápio muito mais que maconha.
Com menos de 10 anos de idade todos os 15 meninos já experimentaram as dores do crack, loló, cola, heroína, cocaína e drogas que nem eu mesma conheço pelo nome. Como um deles me disse "Tudo, tia, tudo que a senhora possa imaginar eu já usei".
Paralelo a isso surgem muito mais histórias que são ladeira abaixo total. Pra sobreviver nas ruas aqueles corpos mirrados roubaram, apanharam, se prostituíram, e foram abusados sexualmente.
É uma realidade inimaginável e que parece que está lá longe, na cracolândia do Jacaré, no morro do outro lado da cidade, na Baixada... Mas não, está mais próximo do que a gente imagina, e aquele pivete que a gente morre de medo também é um dos que carregam essas histórias.
E esse peso vai criando uma casca grossa neles, que precisa ser lapidada diariamente com muito amor, carinho, atenção e o trabalho das brincadeiras populares, que certamente afastaram muitos da nossa geração de problemas como estes.
Depois desse dia que passei com eles, eu só pude fazer uma constatação. Há três pilares que poderiam ser a grande solução pra afastar outras crianças destes problemas: educação, família e muito amor.
Pode ser uma constatação clichê, mas se vocês tivessem sentido a carência deles, que me abraçavam, faziam sinal de s2 (até achei engraçado) e diziam que me amavam, vocês entenderiam.
Um deles falou assim sobre uma das educadoras da casa: "Tia, ela é como se fosse minha mãe. Ela me ama mais que minha mãe".
(...)
Depois de uma resistência até pequena da parte deles, os meninos foram se soltando e, quando viram microfone e câmera, quiseram todos eles falar um pouquinho pra câmera.
Todos, TODOS, sem exceção, perguntaram excitados se ia passar na televisão, porque assim suas mães poderiam vê-los e ir visitá-los.
Todos eles deixaram seus recados pra mães completamente sem rosto pra nós. Mães que às vezes estão lutando por seus filhos, ou outras que nem sabem e nem querem saber onde eles estão.
O T., que está há cerca de 1 mês na casa, começou a implorar pra câmera pra que a mãe fosse visitá-lo. Depois do depoimento ele começou a chorar, eu o puxei pra um abraço, dizendo que ia orar por ele, que ele era um vencedor de estar ali. Ele olhou pra mim e, lembrando do trabalho com os heróis que o Rogério faz, me disse: "Tia, eu sou um herói, não sou?". É claro que ele é! E ele me fez mais forte.
Cheia de lágrimas nos olhos, consegui não desabar na frente das crianças e também fui um pouco heroína.
Quando eles estavam mais calmos, conversei com o C., que acabou de fazer 14 anos.
Depois de ter chorado contando sua história, da saudade da mãe, de cuidar dos irmãos, perguntei o que ele mais gostava de comer. Além de dizer que gostava de praticamente tudo, ele falou que amava biscoito. "Quando eu tinha 8 anos, sempre comia trakinas que minha mãe comprava pra mim". Daí eu disse: - Então vamos fazer o seguinte, já que foi teu aniversário, vou trazer uma caixa de Trakinas pra vocês, tá bem? Os olhos dele brilharam e disse: - Sério, tia?! Quando?!
Eu vou lá em breve novamente e vou fazer questão de tentar levar um pouco do que eu tive em excesso pra esses garotos.
Quando eu falei de pânico lá em cima, da depressão que fez parte de muitos dias meus, pensei com toda determinação que eu não tenho o direito de sentir essas coisas. Sei que questões psicológicas vão muito além disso, mas eu olho pra trás e não tenho motivos pra sofrer. Tenho a melhor família do mundo, meus pais casados, minhas duas avós vivas, uma cama pra dormir, comida, e muito mais que todas essas crianças nunca sonharam.
Pra se ter uma idéia eles às vezes ainda querem revirar lixo, porque as sobras os alimentaram em muitos dias nas ruas. O M. mesmo disse que com crack ele não sentia fome, não sentia dor. "Se viesse algum almoço, é o que Deus mandou", ele me disse.
Vocês têm noção? Por isso tudo eu não posso admitir passar por essas coisas. Não posso admitir pânico com essa vida cheia de frescura que eu tenho. Essas crianças já sofreram muito mais do que eu com muito menos anos de vida, e elas precisam de mim e de muita ajuda.
Chegam a ser irônico os "graves problemas" que a classe média tem diante dessa merda diária que essas crianças vivem.
É preciso tentar entender e colocar na cabeça das pessoas que o vício em drogas é uma DOENÇA e GRAVE e que pode atingir qualquer um.
Eu vivi isso em casa. Meu primo roubava jóias da minha mãe, ficava meses sumido, aparecia todo arrebentado, foi preso... Enfim, viveu o inferno. E levou pro inferno minha mãe, minha avó e até eu e meu irmão que pegamos um pouco dessa fase.
Recentemente eu ouvi uma babaquice de uma colega jornalista (e evangélica) sobre a morte da Amy. Era algo como "Ah, bem feito. Ela fez por merecer, ela procurou. Pra mim não vai fazer falta nenhuma".
É impressionante como o outro vem cada vez mais significando NADA para os outros.
Meu primo disse um negócio muito certo. Se Darwin estivesse vivo ele criaria a teoria da desevolução. Em todos os sentidos. Desde a droga que faz com que o humano regrida, e desevolua de homem para bicho, até pessoas que acham que qualquer "crakudo" não vai fazer falta.
Depois do que eu vi ontem, do que eu senti, tenho toda certeza de que eles vão fazer falta pra alguém; vão fazer falta pra mim.
O T. e o C., de 16 e 14, que choraram nos meus braços pedindo pra aparecer na TV e suplicaram pela visita da mãe já estão fazendo falta pra mim.
Eles são importantes sim.
Mais um clichê, mas é verdade. Como diriam os Beatles, all we need is love. E isso é tudo mesmo que esses meninos precisam. Eles só querem amor e a alegria de poder comer um pacote de Trakinas.
Depois de ver que, mesmo a duras penas, há chances de recuperar qualquer pessoa, como posso desejar a morte de qualquer ser humano que seja? Eu não tenho esse direito.
A capa grossa da vida tenta engoli-los todos os dias, mas tudo que eles querem é ser crianças.
Eu ainda não sei muito o que fazer, mas eu quero estar do lado dessas crianças.
E vou começar pela caixa de Trakinas.
4 comentários:
Muito tocante. Cheguei a engolir seco!
Sempre te amei...Tudo que foi descrito por vc me é coincidente (com exceção das avós). Tenho pedido a Deus coragem e estratégia pra fazer algo, além de lamentar e me entristecer... Sim, all we need is love. Amemos! De verdade e não de palavras vazias!!!
Te amo, menina linda!
E... parabéns pelo texto tão lúcido e límpido.
Eu sou sua fã!
Espero que em algum momento têm a oportunidade de fazer isso em algum momento, porque eu gosto de lembrar alguns infância espero que você pode fazer quando comer em alguns restaurantes que você encontra na página web restorando
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