Desde setembro de 2008 eu tento fazer esse post aqui, mas o Blogger vem fazendo a gentileza de me boicotar.
O fato é que, à época, eu queria falar de um dos livros mais legais e interessantes que li nos últimos tempos: Persépolis (completo), da ilustradora Marjane Satrapi.
Marjane é uma iraniana criada em uma família também obviamente iraniana, mas bastante incomum, se comparada com a maioria dos orientais daquela região. Crescida em ambiente onde pai, mãe, tio, avô eram comunistas, Marjane teve criação liberal e, com 10 anos de idade, viu sua liberdade ser retirada aos poucos com o começo dos conflitos religiosos durante a eclosão da Revolução Fundamentalista islâmica.
Marjane, que sempre estudou em escola francesa dentro do próprio Irã, viu as escolas bilíngües serem fechadas, viu o uso do véu ser obrigatório, viu as universidades serem fechadas, e os religiosos xiitas proibirem festas, álcool, revistas música e qualquer manifestação contrária à política fundamentalista.
Frente às proibições, ela se viu também cara a cara com as tentações da cultura ocidental. Principalmente quando, por seu atrevimento e sentimento de liberdade para falar o que viesse à cabeça, foi mandada pelos pais para estudar na Áustria, com apenas 14 anos de idade.
Sem falar alemão, Marjane teve de se virar sozinha sem os pais, sem o país, e mergulhando aos poucos nos costumes locais. Ela conheceu tudo aquilo que uma menina iraniana no Irã jamais conheceria: o sexo antes do casamento, as drogas, a solidão...
É impressionante notar também é a diferença cultural entre as nossas crianças e as crianças do Oriente Médio, por exemplo. Sem querer, é claro, comparar as situações econômica, política, cultural, religiosa, etc. Pela narração e vivência da autora, é impressionante ver como as crianças desde muito cedo estão submersas na própria cultura, nos próprios problemas. Eles desde muito cedo sabem quem foi o imperador, o porquê da guerra que está acontecendo ou que aconteceu em tal momento, o que é fundamentalismo, comunismo, lutas e morte... Desde muito novas sabem quem foram e quem são.
Uma mulher iraniana carregando uma conquista como essa, deu a Marjane caráter cult no mundo inteiro. Seu livro foi traduzido para inglês, francês, alemão, holandês, italiano, espanhol e português e virou filme.
Persépolis, o filme, é uma adaptação do livro para o cinema, e foi tão bem sucedida que recebeu os prêmios mais importantes do cinema e chegou a concorrer ao Oscar de melhor animação.
A autobiografia de Marjane é aparentemente de “fácil digestão” por ser em quadrinhos, mas ao mesmo tempo é possível sentir seu peso, principalmente o peso do registro histórico e cultural de um Oriente Médio completamente desconhecido pela maioria de nós ocidentais.
A conclusão é que a imprensa ocidental não faz nem nunca fará a mínima questão de mostrar o que há por trás dos véus e das guerras que envolvem o islamismo e fundamentalismo religioso.
O belo das culturas orientais é o orgulho em se ser o que é. Como disse a avó de Satrapi antes de morrer “Nunca se esqueça de onde você veio, e de quem você é”.
Leiam Marjane Satrapi porque ela é fascinante. A história iraniana é fascinante. A forma como Marjane as conta é fascinante.
Tanto que li Persépolis duas vezes seguidas, já parti para a segunda leitura de autoria da criadora de Persépolis e já terminei: o belo Frango com Ameixas.
Se alguém achar os outros livros dela traduzidos, aceito de presente.
5 comentários:
Interessante...
E o texto deixou o livro leve, leve.
...quero ler!
Impressionante como, para nós, a história do oriente ainda nos aparece com várias lacunas ainda a serem preenchidas. Recentemente li o escritor turco Orhan Pamuk, ganhador do Nobel de literatura em 2006, explicando pela infância dele esta relação amor-ódio e atração-repulsa entre orientais e ocidentais (causado principalmente pelo sentimento cultural hegemônico do ocidente sobre o oriente). Ele fala que, quando a literatura resolve falar sobre questões sentimentais, por mais que sejam subjetivas, acabamos todos sendo iguais, com os mesmos anseios, medos, prazeres, penúrias e, inclusive, histórias.
É como dizem: igualdade na diversidade.
Eu li o quadrinho, adorei!!
Discordo que o fato da biografia ser no formato de HQ que a faça ser de fácil digestão. Acho que é apenas uma forma de expressão diferente da tradicional literatura.
Não afirmei ser de fácil digestã0. Quis dizer que, pra maioria, por ser em quadrinhos, é mais fácil, mais leve.
Digo isso porque ouvi um comentário de uma ex-companheira de trabalho ao me ver com o livro em mãos dizendo "ah, assim eu leio, assim, eu gosto".
Entendeu?
É claro, é uma forma de expressão, assim como tantas outras, mas não quer dizer que deva ser obrigatoriamente leve por ser em quadrinhos. =)
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