Poeta, dramaturga e ficcionista, essa mulher é sensacional.
Com uma literatuta autêntica, brasileira e gostosa de se ler, Hilda Hilst me conquistou com suas crônicas loucas, sua ousadia com a gramática, seu raciocínio maravilhoso, sua franqueza e seu humor Hildástico.
É uma pena que Hilda, por ser considerada contemporânea, não seja tão reconhecida. Quando eu for professora, destribuirei livros dela para todos os meus alunos.
Enfim, deixo aqui dois textos de Hilda para degustação:
Alcoólicas
de Hilda Hilst
Te amo, Vida, líquida esteira onde me deito
Romã baba alcaçuz, teu trançado rosado
Salpicado de negro, de doçuras e iras.
Te amo, Líquida, descendo escorrida
Pela víscera, e assim esquecendo
Fomes
País
O riso solto
A dentadura etérea
Bola
Miséria.
Bebendo, Vida, invento casa, comida
E um Mais que se agiganta, um Mais
Conquistando um fulcro potente na garganta
Um látego, uma chama, um canto. Amo-me.
Embriagada. Interdita. Ama-me. Sou menos
Quando não sou líquida.
(Alcoólicas - V)
Tô Só
Crônica de Hilda Hilst para o "Correio Popular" de Campinas-SP
Vamo brincá de ficá bestando e fazê um cafuné no outro e sonhá que a gente enricô e fomos todos morar nos Alpes Suíços e tamo lá só enchendo a cara e só zoiando? Vamo brincá que o Brasil deu certo e que todo mundo tá mijando a céu aberto, num festival de povão e dotô? Vamo brincá que a peste passô, que o HIV foi bombardeado com beagacês, e que tá todo mundo de novo namorando? Vamo brincá de morrê, porque a gente não morre mais e tamo sentindo saudade até de adoecê? E há escola e comida pra todos e há dentes na boca das gentes e dentes a mais, até nos pentes? E que os humanos não comem mais os animais, e há leões lambendo os pés dos bebês e leoas babás? E que a alma é de uma terceira matéria, uma quântica quimera, e alguém lá no céu descobriu que a gente não vai mais pro beleléu? E que não há mais carros, só asas e barcos, e que a poesia viceja e grassa como grama (como diz o abade), e é porreta ser poeta no Planeta? Vamo brincá
de teta
de azul
de berimbau
de doutora em letras?
E de luar? Que é aquilo de vestir um véu todo irisado e rodar, rodar...
Vamo brincá de pinel? Que é isso de ficá loco e cortá a garganta dos otro?
Vamo brincá de ninho? E de poesia de amor?
nave
ave
moinho
e tudo mais serei
para que seja leve
meu passo
em vosso caminho.*
Vamo brincá de autista? Que é isso de se fechá no mundão de gente e nunca mais ser cronista? Bom-dia, leitor. Tô brincando de ilha.
4 comentários:
A conheci quando li Caio Fernando Abreu pela primeira vez. Agora ela faz parte do meu panteão literário, hehe.
Ee stes são um dos fragmentos mais "castos" (hehe) e menos herméticos dela. Lê só o Fluxo-floema para você ver...tem uns contos que o cerebelo quase derrete de tanto, de tanto...fluxus.
"E de luar? Que é aquilo de vestir um véu todo irisado e rodar, rodar..."
uma das frases mais lindas que já li na vida.
li coisas poucas e soltas da hilda, mas tudo lindo, lindo.
"brincando de ilha".
incrível!
Muito bons os textos! Vou procurar livros da Hilda!
Ela e glauco matoso dão samba!
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