Vez ou outra volto ao ano de 1996, quando cursava a 6ª série do Ensino Fundamental.
Lembro que o professor Jorge, que lecionava Geografia, estava conversando com a turma sobre a diferença da qualidade de vida entre certas regiões do Brasil.
Naquele momento, o cupido que faz as pessoas se apaixonarem por cidades me tocou quando o Seu Jorge, também conhecido como cotovelo de bolinho de arroz(?), falava sobre as características da região Sul, mais especificamente, do Rio Grande do Sul.
Ele ressaltava a superioridade qualitativa da região em relação às certas atividades econômicas, seu alto índice de escolaridade, o sotaque, e o clima, meu tão amado clima de friozinho.
Naquele dia, a primeira coisa que disse à minha mãe quando chegou do trabalho foi: Mãe, vamos nos mudar pra Porto Alegre? Ela obviamente perguntou de onde eu tirei aquilo, deu um sorrisinho como se dissesse “ah, as crianças”, e respondeu: Vamos sim.
Nunca nos mudamos pra Porto Alegre, mas minha obsessão pela cidade que só fui conhecer aos 24 só aumentou ao longo dos anos.
Livros, bandas, escritores e personalidades gaúchas sempre foram uma espécie de objeto de culto. Isso é tão latente, que ganhei de uma amiga o divertido Dicionário de Porto-Alegrês, escrito por Luís Augusto Fischer e lançado pela LP&M.
Além das bandas de lá, talvez a forma de cultura produzida no RS que mais me aproxime da região seja o cinema. É engraçado como a cultura gaúcha tem toda uma peculiaridade mesmo. Não quero nem entrar no terreno do bairrismo nem generalizar, mas é tudo tão próprio e heterogêneo que soa diferente do que é produzido em outras regiões.
O lance 1 é que sempre gostei muito dos filmes. Quem não se encanta com Houve uma vez dois Verões, obra da Casa de Cinema de Porto Alegre, produtora de Jorge Furtado? Outra genialidade é o Ilha das Flores, também feito pelas mãos da Casa de Cinema.
O lance 2 é que recentemente assisti Antes que o mundo acabe, dirigido por Ana Luiza Azevedo, também com assinatura da Casa de Cinema, e baseado no livro de Marcelo Carneiro da Cunha.
O filme se passa numa cidadezinha interiorana, e é narrado pela gracinha curiosa Maria Clara, personagem da atriz-mirim Caroline Guedes.
No centro da história está seu – como ela faz questão de ressaltar – meio-irmão Daniel, vivido por Pedro Tergolina.
Daniel tem 15 anos, só se locomove de bicicleta pela sua pacata cidade, estuda num colégio religioso e vive uma espécie de triângulo amoroso com sua namorada-amiga Mim e Lucas, seu melhor amigo.
A relação entre os adolescentes até lembra os clássicos triângulos retratados no cinema, como Jules et Jim, Band à Part, The Dreamers…
O carro-chefe do filme é a relação entre Daniel filho e Daniel pai. Ambos os Daniéis nunca se conheceram, e o pai vive na Tailândia e largou tudo pra viver o sonho de ser fotógrafo pelo mundo.
A aproximação dá os primeiros passos através da mágica de parar um momento para sempre: a fotografia. Daniel-pai, acamado com malária na Ásia, resolve se ocupar tentando resgatar, como o próprio personagem diz, o “tempo de ficar próximo de alguém que eu nunca deveria ter perdido de vista”.
Toda aproximação é feita através de belas cartas e, principalmente, fotografias. Ter em mãos um punhado de histórias que refletem a vida daquele que inspirou seu nome, vai criando na cabeça de Daniel-filho dois mundos: o do pai e do restante do mundo, ambos terrenos ainda não pisados.
Instigando a curiosidade do filho, o pai consegue despertar nele o interesse pelo diferente, pelo novo, pelo desconhecido. Um desconhecido tão distante quanto eles são um para o outro.
É lindo ver uma aproximação tão autêntica e emocionada como a daqueles dois. A troca de sentimentos através daqueles pedaços de papel nos faz sentir saudades do tempo que escrevíamos cartas; saudade da ansiedade por descobrir o que há dentro do envelope do desconhecido.
Além de tudo, fiquei muito feliz em reconhecer duas ótimas bandas gaúchas que fazem parte da trilha sonora: Pública e Apanhador Só.
O filme é uma delícia de se assistir e as atuações estão ótimas. É bom ver interpretações de atores tão jovens e ainda desconhecidos da maioria.
“Antes que o mundo…” nos trás boas lembranças de nós mesmos e saudade de coisas boas. Mas não quero apelar pra saudosismo. Como diz Daniel pai, “o problema das coisas inesquecíveis, é que você não consegue esquecer. E eu agora quero lembrar coisas boas. Inesquecíveis e boas”.
E o filme é isso aí mesmo. Nos traz histórias inesquecíveis, boas, e uma sede por coisas que desconhecemos.
Como cita o longa, “a história acaba, como todas as histórias um dia acabam”, mas enquanto isso, vamos “fotografar tudo que houver de diferente enquanto ainda existir”.
Dona Glória, vizinha da família de Daniel, diz uma frase linda que caiu como uma luva pro caminho que Daniel trilhou após se aproximar do pai: “É bom levar os piriquitos pra passear, porque quando eles comem vento, eles cantam mais bonito”.
Um comentário:
Ainda checo aquele tom pastel. ^^
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