Curioso é que o band boom de uns anos atrás ocorreu por aqui justamente durante uma efervescência pós rock in rio 3 e, atualmente, ele parece estar ressurgindo justamente em um período em que anunciaram a quarta edição do evento para o ano que vem na cidade. Outra coisa curiosa é notar como dois ambientes que, muitas vezes, parecem se portar de forma antagônica (mainstream e underground) acabam servindo de feedback** um para o outro, mesmo que de forma memética, quase que acabando com o muro que os separa.
Aliás, esse muro ainda existe?
Já se passaram cerca de dez anos desde que surgiu a circulação "livre" de músicas, sites e todo tipo de mídia de milhares de bandas e artistas underground/independentes e massificados (no bom sentido) na internet. Com a vinda do Fim dos Dias para as majors, onde os sete cavaleiros do apocalipse Napster, SoulSeek, Kazaa, Imesh, Shareaza, eMule e BitTorrent semearam o pânico, o medo e o ceifamento financeiro no coração das grandes gravadoras do mundo, a indústria fonográfica foi obrigada a reduzir o casting de artistas, encarecer o preço das apresentações ao vivo, formar uma caça às bruxas violenta em cima desses sistemas e criar meios alternativos de se vender o produto-música.
Paradoxalmente, esses "cavaleiros do apocalipse", juntamente com o popularização de sofwares e hardwares ligados à engenharia musical, foram justamente os pilares da própria reconfiguração de como é feita a logística do produto-música, o que acabou privilegiando os consumidores e os artistas por esse lado, já que o financeiro precisou ser reestruturado (iTunes e Virgin que o digam). Assim, deu-se a queda da hegemonia da mídia física (LP/MD/CD), surgiram mais gravadoras independentes e formas menos burocráticas de se divulgar o som dos artistas sem nenhum intermediário (gravadora). Dessa forma, todas as partes do planeta que estivessem conectadas à rede, por mais underground, indie, entocado ou joãogilbertesco que seja o artista, poderia ter o seu lugar. Chegou a Era Myspace, a Era Pandora, a Era Last FM ,a Era Blip...
Mas será que o que se entendia como underground deixa de existir hoje em dia porque o ambiente da rede mundial de computadores permite esse acesso mais fácil, deixando os artistas em pé de igualdade? É óbvio que a resposta é não, já que exemplos não faltam, mas a questão revela uma preocupação mais profunda: o que é mainstream hoje em dia? E o que é underground?
Essas questões fazem parte da mesma classe de discussões que permeiam a crise dos rótulos: o ambiente em rede permitiu que o mercado musical em geral, under ou não, estivesse tão integrado, misturado e embolado no meio do titânico balaio terabáitico que é a internet que, se me permitem a citação nerd, isso criou uma espécie de Crise das Infinitas Terras. Na internet existem tantos universos de bandas com estilos, sub-estilos e sub-sub-estilos diferentes que surgiram os chamados multiversos, versões desses mesmos grupos mas em ambientes de extensão infinita, o que impossibilita uma real catalogação de acordo com os nomes que ainda usamos. Os rótulos caducaram assim como as identidades.
Isso parece bem complicado (e é, como tudo o que intangível), mas pode ser notado de uma maneira bem simples no mundo offline. Um penteado moicano não caracteriza mais só um punk pleno, pode ser visto em músicos bandas de heavy metal, em jogadores de futebol, em músicos de pagode e em outras zilhões de utilidades que nada poderiam ter a ver com o visual punk. Os signos estão desconfigurados e misturados no caos da sopa primordial que apareceu depois do Big Bang da WWW.
O muro que separava o mainstream do underground caiu retumbantemente há um certo tempo e nós nem notamos, pois só agora que estamos notando a vista aberta para outros terrenos além desses dois. Não existe mais O underground, mas OS undergrounds. Não existe mais O mainstream, mas OS mainstreams. O problema é que, pela nossa própria incapacidade física de se absorver tudo, nós só conhecemos o nosso lado e o do vizinho. Por isso é que ainda existe a ilusão da existência dessa separação, já que é bem mais fácil se relacionar com duas ilhas do que com um arquipélago.
*- quer acompanhar essa retomada? O nosso twitter está divulgando os eventos pela cidade toda semana. Siga-nos no @/_linfa_.
**- perdoe o excesso de anglicanismos, é que o aportuguesamento "retroalimentação" parece uma parafilia.
11 comentários:
Estou indo agora mesmo divulgar o Twitter do Linfa no Twitter do Tchopu. Se vocês divulgarem mesmo os eventos, darei retweet em todos para que a gente levante essa joça. Força de trabalho não falta!
Eu acho o Rio de Janeiro a capital mais devagar, no sentido roqueirístico, do planeta. Espero de verdade que, com rock in rio ou não, apareçam mais bandas e que os movimentos undergrounds, se aqui existir, sejam de fato movimentados.
Quantas vezes vc andou vendo "Quem somos nós?"??? haha...
Sobre os muros... Sei não, viu. A etnomusicologia e mais recentemente, conversando com uma amiga biblioteconomista, enfim... A mim parece que o "não-rótulo" é um outro rótulo rsss. O ser humano tende a ser taxionômico por natureza... O que acredito acontecer é uma dissolução das "aldeias", uma reelaboração de fronteiras.
Mas... Uma coisa ainda me espanta, principalmente nas gerações mais jovens: "O Brasil não conhece o Brasil"...
P.s: Debate saudável, bom texto!
Essa foi uma das suas melhores postagens aqui. Muito boa! Ah sim, e rolei com a primeira montagem, hahahaha!!!
E ainda bem que os cavaleiros do apocalipse existem, né? Ainda bem que acabaram aqueles tempos em que precisávamos comprar um cd pra ouvir uma música só.
Muito bom o texto.
E como disseram ali em cima, aqui no RJ é mtooo devagar. Temos q esperar algo (tipo Rock in Rio) pra alavancar a cena. Assim num dá né...hehe!
Ótimo texto Porcidônio.
Parabéns.
o underground somos nós que fazemos. ou tentamos fazer...
e realmente muita coisa ta acontecendo. tinha ate q falar com o senhorio. ate tentei, mas vc achou q eu queria ir pra festa do bigode rs
O comentário abaixo se divide em duas partes.
Na primeira, escrevo algumas palavras sobre o conteúdo do texto em geral.
Na segunda vou restringir-me especificamente a esta possível efervecência roqueirrônica aqui no Rio, e debater alguns comentários acima.
PARTE I
A grande questão é que o fato de se "estar fora", continua mantendo-o "dentro", já que o fora é o que vai contra o vigente. Então dentro vigente, existem os que se opõem a ele. É tipo uma coisa bipolar: o positivo não existe sem o negativo.
Agrada-me muito saber que, para buscar "um lugar ao sol" não é mais necessário mendigar numa gravadora. O "Do it yourself" (Termo cunhado pelo movimento punk inglês, mas cuja idéia sempre existiu desde os mais remotos tempos) se profissionalizou! Agora quando a banda/grupo/cantor(a) aparece no Faustão, já vendeu, por conta própria, algumas platinas triplas, faz shows lotados, possui aviões particulares...
Ou seja: foi-se ao Faustão porque é um sucesso.
E em tempos tão "confusos", o contrário também pode acontecer: é um sucesso porque foi ao Faustão.
É...não se pode mais ser tão taxidérmico. Precisamos conviver com o incerto, o mutável.
PARTE II
Não acho que aqui no Rio as coisas sejam mais devagar para acontecer.
Para mim, o problema está na desordem em que tudo acontece.
Sem querer transformar o under num formigueiro ou colméia (Definindo rígidos papéis a cada um), mas parece que, em terras cariocas, quem gosta de rock (No sentido de ir e conviver nos redutos deste estilo, e não de ficar no sofá ouvindo música imaginando como será o próximo show de um grupo X), quer estar em cima do palco...e só!
Não dá para fazer um evento só com "estrelas". É preciso público. Sinceramente, este público, que deveria correr atrás das músicas das bandas under, comprar suas camisas, seus CDs, ir aos shows...é efetivamente raro pela cidade.
E ficar gastando dinheiro para meia dúzia de gatos pingados cansa.
"Cara, eu só vou em tal lugar pra ver a galera."
Entendo que no submundo do showbizz a coisa tenha um ar mais família. O que não entendo é por que parece tão difícil sair de casa simplesmente para curtir novos sons.
Chega a ser terrível pensar que muitos dos maiores eventos só tiveram um grande público não pelas suas atrações, mas por uma coincidência de encontros de grandes turmas que se juntaram num mesmo dia e local.
Ou seja, enquanto as pessoas gostarem de ir aos eventos só para socializar, em vez de curtir as bandas, viveremos eternamente nestes ciclos e efervecência e resfriamento da "cena".
Sensacional!
Essa questao da perda de todas as identidades, seja na musica, no rotulo, no estilo de se vestir ou em qualquer outra influencia 'e a mais pura verdade.
E, alem de todos os detalhes que voce citou no texto, um exemplo que melhor pode ilustrar esse acontecimento e essas mudancas foi a comparacao que fez entre pagodeiros de moicano etc.
Alargador que, no meu tempo era coisa da galera do hardcore, hoje em dia invadiu as orelhas das "neins" dos bailes funk ou das "gatinhas do stronda music".
O muro caiu, realmente. Agora ate que ponto isso pode ser benefico a gente ainda nao sabe.
Estamos tao imersos e perdidos em tanta informacao de uma so vez que e dificl prever um caminho.
E morte a(craseado) morte do Rio de Janeiro.
*Sorry pela falta de acentos. Essa desconfiguracao tecladistica ainda me mata.
Superficialidade, "prolixidade musical"(me inspirando nos seus neologismos) e "crise das infinitas terras". Isso tudo é no mínimo CONFUSO.
Sabemos que existem os arquipélagos e desejamos conhece-los.
Mas e como fica o nosso limite físico?
Nós não somos uma máquina, uma rede tão extensa quanto a internet.
Só temos dois ouvidos e só conseguimos ouvir uma música de cada vez.
O excesso de informação nos desespera e no meio desse desespero o muro caiu.
Acho que devemos ser mais atentos, dar mais valor ao que o ouvimos, ao que conhecemos. Só assim produziremos algo mais sólido, mais original. Não critico a pluraridade mas sim a frivolidade que o excesso causa.
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