vendo essas crianças no ponto de ônibus; nesse qualquer fim de tarde, aceleradas, baterias de dezoito mil volts carregadas de excitação, restando inabaladas através do dia que passou e ainda passa, com todas as miudezas que unificadas, como numa massa de pão, dão a liga para a janta; me sinto pesado.
não pesado como um contêiner lotado no porto, mas como uma nuvem carregada.
pesada.
nimbo e los niños.
elas se movem mais rapidamente, apontam dedos mais enrijecidos, fabricam comentários com muito mais ácido, atualmente não mais na ponta da língua mas, escondido nas bochechas desinchadas. e assim percebem-se, esbarram-se, notam como o peito de uma é um muro e o da outra “tá esperando acontecer”.
agitação de grupinhos que se dividem, se partem feito a cidade que os abriga.
mitoses, que criam ordens e razões que nunca entendi (mesmo ja tendo sido um deles, num passado longínquo, numa galáxia muito, muito distante) e que por diversas vezes se remodelam, se desmantelam e sempre estão lá.
sempre estarão.
sou esmurrado por essa nostalgia de ponto de ônibus e forço minha memória numa marcha ré alucinada pra tentar reviver meu tempo, fazer correspondências, voltar a sentir o cheiro do momento, o ponto cheio, o frio das expectativas de fim de aula, começo de tarde, os planos banais, os telefonemas “importantíssimos” que preenchiam os dias, a inutilidade que importa.
mas sempre me encontro interrompido, não pelo excesso de imagens, que podem vir a se embaralhar numa seqüência de fatos que muitas vezes atravessa a barreira cronológica das coisas, e acabam interferindo uma na outra, numa cascata de imagens afogadas, criando um passado inexistente, confuso, inverossímil.
sou interrompido, enfim, pelo sentimento que representa o cheiro que pouco restou no frasco de perfume. .sinto que algo muito mais valioso, que não a minha memória, foi perdido.
algo muito mais imprescindível.
gostaria de ter participado de todas as histórias, ter sido parte da nostalgia de todos que figuram nessas minhas viagens pro passado remoto.
ter sido parte presente na nostalgia alheia.
de todas as nostalgias que eu sinto nostalgia.
queria ter sido todos os grupos, ter tidos todos os ócios, todos encerrados na palma da minha mão.
não tem lastro, essa demência, numa necessidade de ser querido, amado, lembrado, mas apenas, lastro no simples fato de ter estado. de ter sido.
num depois qualquer, sei que vou esbarrar em algum antigo companheiro de pátio, de cinco cortes no recreio e vamos reviver alguns momentos.
é claro, se tivermos tempo.é claro, se eu fizer parte da nostalgia dele.
por aí, vamos nos esbarrando.
3 comentários:
Nostalgia, lembrança da história do ponto de vista.
Vejo tudo lindo. Até o soco na cara.
Sensacional o blog!
pensei que só eu tivesse esse sentimento de querer ter sido tudo, todos, etc. de querer ser parte da nostalgia de todos que são parte da minha (e também dos que não são).
que saudade dos telefonemas importantíssimos e do cheiro da juventude (ainda não morta, mas já envelhecida).
que gostoso foi ler isso!
:)
cinco cortes...bafo...foda...sempre otimos textos e assuntos.
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